quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

BORGES SABATO: Diálogos (MELHORES MOMENTOS)..Literatura Argentina




http://ebookbrowse.com/dialogos-borges-sabato-pdf-d412362982

BARONE, Orlando. (Orgs.) BORGES SABATO: Diálogos. Tradução: Maria Paula Gurgel Ribeiro. São Paulo: Editora Globo, 2005.

SABATO: (com tom caótico) Mas me diga, Borges, o senhor se interessa pelo budismo seriamente¿ Quero dizer, como religião. Ou só lhe interessa como fenômeno literário?

BORGES: O budismo me parece ligeiramente menos impossível do que o cristianismo. (Riem) Bom, talvez eu acredite no Karma. Agora, que haja céu e inferno, isso não.

SABATO: Em todo caso, se existem, devem ser dois estabelecimentos com uma população muito inesperada.
[...]
BARONE: E que opinião o senhor tem a respeito de Deus, Borges?

BORGES: (solenemente irônico) É a criação máxima da literatura fantástica! O que Welles, Kafka ou Poe imaginaram não é nada comparado com o que a teologia imaginou. A ideia de um ser perfeito, onipotente, todo poderoso é realmente fantástica.

SABATO: É, mas poderia ser um Deus imperfeito. Um Deus que não possa administrar bem o assunto, que não tenha podido impedir os terremotos. Ou um Deus que dorme e tem pesadelos ou acessos de loucura: seriam as pestes, as catástrofes...

BORGES: Ou nós. (Riem) Não sei se foi Bernard Shaw que disse: God is in the making, ou seja: “Deus está se fazendo”.

SABATO: É um pouco a ideia de Strindberg, a ideia de um Deus histórico. De qualquer forma, as coisas ruins não provam a inexistência de Deus, nem sequer a de um Deus perfeito. O senhor acaba de insinuar que acredita mais nos budistas. Se uma criança morre, de modo aparentemente injusto, pode ser que esteja pagando o pecado de uma vida anterior. Também é possível que nós não entendemos os desígnios divinos (que pertencem a um mundo transfinito), mediante a nossa mentalidade feita para um universo finito.

BORGES: Isso coincide com os últimos do livro de Jô.

SABATO: Mas me diga Borges, se o Senhor não acredita em Deus, porque escreve tantas histórias teológicas¿

BORGES: É que eu acredito na teologia como literatura fantástica. É a perfeição do gênero.

Extraído das páginas 33, 34 e 35.

A matemática é um moedor de café, que produz café sempre que coloquem café nele. Em outras palavras, a matemática não produz verdades: transforma-as em outras equivalentes.
EDDINGTON apud. SABATO. (página 82)

BORGES: “Não acredito que uma pessoa seja querida por seus livros. Alguém é querido por alguma coisa mais íntima. Na Antiguidade havia uma ideia de que a fama é justa. Vou voltar a uma de minhas manias: o anglo-saxão. O último verso da antiga gesta de Beowulf diz: “Um dos homens mais suaves e dos mais desejosos de louvor”. O que isso significa? Significa que nessa época, em que não existia a propaganda, nem nada disso, pensava-se que se uma pessoa famosa o era justa e merecidamente. Por outro lado, hoje a fama pode ser o resultado de uma manobra. (Borges, página 85)

SABATO: A idéia de que um catolicismo se baseia na sensação é um disparate. Ele se baseia no absurdo, e por isso é inatacável. Pensar com lógica na religião...Querer aplicar nossa categorias humanas e sobretudo as racionais a algo que as transcende...Um disparate.

BORGES: Fato já censurado por Deus em O livro de Jô.

SABATO: O primeiro que aparece em sua própria obra. (Ri) O primeiro escritor que faz uma obra aberta.

BORGES: Acredito que basta uma dor de dente para negar a existência de um Deus todo-poderoso.
SABATO: (Olhando-o com ironia) É provável que Deus não dê o que a pessoa quer, mas sim o que a pessoa necessita. Além disso, que Deus lhe traga uma dor de dente não é uma prova da inexistência de um Deus todo-poderoso, mas da possível existência de um Deus todo-poderoso e perverso.

BORGES: Mas então não seria o Deus que os católicos adoram:
SABATO: Claro. Mas pode provocar dor de dente sem ser perverso: A nossa lógica não vale para a infinitude.
BORGES: Há um arquétipo possível: Deus é tão generoso com o homem, que lhe dá tudo, até a possibilidade do Inferno. Mas quem sabe se esses presentes convém, não é mesmo? (Páginas 90, 91)


“[...] A única coisa de que eu tenho certeza é que cada homem se arranja muito bem com a língua que mamou, e que nessa língua pode criar uma grande literatura, a mais sutil do mundo. Cada povo cria o que necessita. Claro, desse modo, em certos povos africanos, há uma palavra diferente para cada pata de um animal, porque entre eles o animal é de enorme importância. (SABATO, página 113)

A arte é quase sempre um ato antagônico, e um homem parado pode ter muito mais imaginação do que outro que percorre o planeta. (SABATO, p. 110)

BORGES: Acho que em árabe existem quatrocentas ou quinhentas palavras relacionadas com o camelo. Mas certamente em inglês deve existir só uma.

SABATO: É natural: para um inglês, um camelo é quase uma abstração. E um beduíno tem que se espantar, se vai à Europa, com as centenas de palavras que se referem a um automóvel. Não tem sentido falar de riqueza de uma língua em comparação com outra. É tão absurdo quanto sustentar que um automóvel é melhor do que um camelo. Por isso, é tão difícil traduzir.

BORGES: Além disso, inicialmente as palavras têm um sentido que o tempo e o uso vão transformando. Por exemplo, eu descobri que o espanhol “Blanco” e o inglês “Black” têm a mesma origem. “Black” queria dizer “sem cor”, e certamente “Blanco” também.

SABATO: Sempre se usou branco no luto, até que se começou a usar preto na Espanha, acredito que na corte de Felipe II. De modo que confirmaria o que o senhor está dizendo sobre a identidade inicial entre “Black” e “Blanco”.
Página 114.

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