sábado, 24 de agosto de 2013

Conversas com Cortázar (Literatura argentina\melhores momentos)



Com o prazer de quem senta para uma conversa com amigos, encontramos nesse livro mais que entrevistas. São confidências e idéias trocadas entre o repórter uruguaio Ernesto Gonzáles Bermejo e o escritor argentino Julio Cortázar - amigos, companheiros de exílio e camaradas na militância da vida e do ofício de escrever.

Melhores Momentos do livro..Citações:

Se há uma coisa que me parece admirável, por exemplo, é o fato de Juan Carlos Onetti ou Juan Rulfo terem conseguido construir toda a sua obra sem sair de Montevidéu ou do México. O que cansa é essa espécie de “localismo” como condição moral que justifique uma obra. Essa sanção que fazem não é literária. Ninguém poderá negar a qualidade de “Batismo de fogo” ou de “Ninguém escreve ao coronel” porque não foram carimbados em Lima ou Bogotá. Para mim, os verdadeiros escritores são como os caracóis – carregamos a nossa casa nas costas.

BERMEJO, Ernesto Gonzáles. Conversas com Cortázar. Tradução: Luiz Carlos Cabral. Prefácio à edição brasileira: Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, páginas 17, 18


Há momentos na vida, em que é melhor cometer o pecado da vaidade do que o pecado da facilidade.
Júlio Cortázar.


Um texto bem-sucedido formalmente (e quando um texto é bem-sucedido no plano formal o é nos outros) exige não tanto a presença, mas a ausência de elementos inúteis e negativos. Quando corrijo, uma vez em cem adiciono algo, completo uma frase que me parece insuficiente ou agrego uma frase porque sinto falta de uma ponte. Nas outras 90 vezes, corrigir é suprimir. Qualquer pessoa que veja um rascunho meu pode comprová-lo: pouca complementação e muita supressão.
Ao escrever, especialmente da maneira como escrevo, rapidamente e deixando-me levar, você tem uma tendência à repetição inútil, escapam coisas (mais ainda quando se trabalha com máquina elétrica). Há que eliminá-los, implacavelmente.
E assim que se chega ao que chamam de estilo. Para mim, estilo é uma certa tensão, e se chega a esta tensão através da redução do texto ao absolutamente necessário. Imagine a aranha e sua teia. Ela vai tirando franjas daqui e dali até que faz da teia um modelo de tensão. A má literatura está cheia de franjinhas. É literatura com franjas.

BERMEJO, Ernesto Gonzáles. Conversas com Cortázar. Tradução: Luiz Carlos Cabral. Prefácio à edição brasileira: Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, páginas 20, 21

“O romance não tem leis, a não ser a de impedir que a lei da gravidade entre em ação e o livro caia nas mãos do leitor.”
Júlio Cortázar

A grande lição de Borges não foi uma lição temática, nem de conteúdo, nem de mecânica. Foi uma lição de escrita. A atitude de um homem que, diante de cada frase, pensava cuidadosamente não em qual adjetivo colocar, mas qual retirar. [...] Originalmente, a atitude de Borges diante da página é a atitude de um Mallarmé: de uma severidade extrema diante do texto, de não deixar mais que o essencial.

BERMEJO, Ernesto Gonzáles. Conversas com Cortázar. Tradução: Luiz Carlos Cabral. Prefácio à edição brasileira: Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, página 22

A tradução me fascina como trabalho paraliterário ou literário de segundo grau. Quando uma pessoa traduz, quer dizer, quando não é responsável pelo conteúdo original, seu problema não são as ideias do autor – ele já as colocou ali. O que essa pessoa tem que fazer é traduzi-las, e então os valores formais e os valores rítmicos que estão latentes no original passam a ocupar o primeiro plano. Sua responsabilidade é traduzi-los, com as diferenças que existam, de um idioma para o outro. É um exercício extraordinário do ponto de vista rítmico.
Se eu fosse uma pessoa de dar conselhos, diria a um jovem escritor que tenha dificuldades de escrever para deixar de escrever por um tempo por conta própria e passar a traduzir boa literatura; um dia se dará conta de que está escrevendo com uma fluidez que não tinha antes.

BERMEJO, Ernesto Gonzáles. Conversas com Cortázar. Tradução: Luiz Carlos Cabral. Prefácio à edição brasileira: Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, página 20

Creio que o fato de não ser romântico limita muito a criação literária, deixa você diante de um mundo mais seco, muito mais esquemático. Não ser romântico pode ser utilíssimo para um ensaísta, para um satírico, para um investigador de problemas literários, mas não para um criador.

BERMEJO, Ernesto Gonzáles. Conversas com Cortázar. Tradução: Luiz Carlos Cabral. Prefácio à edição brasileira: Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, página 27

Não se esqueça que os duplos – não sei exatamente em Jung, mas, em todo caso, nas mitologias do mundo -, o duplo, os personagens duplos, os gêmeos ilustres, como Rômulo e Remo, Castor e Pólux, os deuses duplos, são uma constante do espírito humano como projeção do inconsciente convertida em mito, em legenda.
Parece que o homem não se aceita como uma unidade. De alguma maneira, ele sente que poderia estar, simultaneamente, projetado em uma outra entidade que ele conhece ou não, mas existe. Eu me pergunto – começando a inventar um pouco – se aquelas fantasias de Platão sobre os sexos não têm também um pouco a ver com isso.
Platão se perguntava porque há homens e mulheres e sustentava que, originalmente, havia um ser único, andrógino, que logo se dividiu em dois. O amor seria, simplesmente, a nostalgia que todos temos de voltar ao andrógino. Quando buscamos uma mulher, estamos buscando o nosso duplo, queremos completar a figura original. Estes temas reaparecem em múltiplas cosmogonias e continuam nos habitando.

BERMEJO, Ernesto Gonzáles. Conversas com Cortázar. Tradução: Luiz Carlos Cabral. Prefácio à edição brasileira: Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, página 32

Muitas vezes, em momentos em que é necessário adotar um comportamento adulto, eu me refugio em um estado de espera pueril, realmente infantil, como se a solução fosse vir de outra parte, como se eu tivesse um pai todo-poderoso para me tirar dos apertos.
Nunca achei que esse fator fosse negativo: a contrapartida é essa grande porosidade, a capacidade de captação que a criança tem, e que, por razões óbvias, escapa ao adulto.
Mas o que é mesmo amadurecer¿ É uma operação seletiva da inteligência, que vai optando cada vez mais por coisas consideradas importantes, deixando as outras de lado, Para o adulto, deixa de ser importante brincar de amarelinha e passa ser importante pagar o aluguel. A criança de preferência nem sabe o que é aluguel e brinca de amarelinha como se fosse algo muito importante. Lembro-me muito bem: quando eu era criança, achava um escândalo cada vez que os grandes chegavam e diziam: “Bem, bem, acabou a brincadeirinha. É preciso comer e deitar.” Parecia-me uma espécie de atentado de invasão: não havíamos terminado de jogar a partida de futebol e lá vinham eles com coisas como esta. Os adultos não pensavam nunca que a nossa dimensão de crianças era tão importante como a deles. Esse sentimento ficou comigo.


BERMEJO, Ernesto Gonzáles. Conversas com Cortázar. Tradução: Luiz Carlos Cabral. Prefácio à edição brasileira: Eric Nepomuceno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, página 42

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