terça-feira, 10 de setembro de 2013

ECCE HOMO. Como Alguém se Torna o que é . (Melhores momentos)




Falando teologicamente – preste-se atenção, pois raramente falo como teólogo -, foi o próprio Deus que, ao fim de sua jornada de trabalho, estendeu-se em forma de serpente sob a árvore do Conhecimento: assim descansou de ser Deus...Havia feito tudo demasiado bonito...O Diabo é apenas a ociosidade de Deus a cada sete dias.

NIETZSCHE, Friedrich.   ECCE HOMO. Como Alguém se Torna o que é. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. 2ª edição. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 96.

Quem sabe respirar o ar de meus escritos sabe que é um ar das alturas, um ar forte. É preciso ser feito para ele, senão há o perigo nada pequeno de se resfriar. O gelo está próximo, a solidão é monstruosa – mas quão tranquilas banham-se as coisas na luz! Com que liberdade se respira! Quantas coisas sente-se abaixo de si! – filosofia, tal como até agora a entendi e vivi, é a vida voluntária no gelo e nos cumes – a busca de tudo o que é estranho e questionável no existir, de tudo o que a moral até agora baniu. Uma longa experiência, trazida por tais andanças pelo proibido, ensinou-me a considerar de modo bem diferente do desejável as razões pelas quais até agora se moralizou e se idealizou: a história oculta dos filósofos, a psicologia de seus grandes nomes surgiu-me às claras. Quanta verdade suporta, quanta verdade ousa um espírito¿ Cada vez mais tornou-se isto para mim a verdadeira medida de valor. Erro (- a crença no ideal - ) não é cegueira, erro é covardia... Cada conquista, cada passo adiante no conhecimento é consequência da coragem, da dureza consigo...Eu não refuto os ideais, apenas ponho luvas diante deles...Nitimur in vetitum (Lançamo-nos ao proibido): com este signo vencerá um dia minha filosofia, pois até agora proibiu-se sempre, em princípio, somente a verdade. –

NIETZSCHE, Friedrich.   ECCE HOMO. Como Alguém se Torna o que é. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. 2ª edição. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 18.

[...] Os alemães despojaram a Europa da seriedade, do sentido de sua última grande época, a época da Renascença, no momento em que uma mais elevada ordem de valores, em que os valores nobres, afirmadores da vida, afiançadores do futuro, haviam triunfado na própria sede dos valores opostos, de declínio – e até nos instintos dos lá sediados! Lutero, esse frade fatal, restaurou a Igreja e, mil vezes pior, o cristianismo, no momento em que este sucumbia...O cristianismo, essa negação da vontade de viver tornada religião!...Lutero, um monge impossível, que devido à sua “impossibilidade” atacou a Igreja e – em consequência! – a restaurou...Os católicos têm motivos para celebrar Lutero em festivais, compor peças em sua homenagem...Lutero – e o “renascimento moral”! Ao diabo com toda a psicologia! Sem dúvida os alemães são uns idealistas. [...]

NIETZSCHE, Friedrich.   ECCE HOMO. Como Alguém se Torna o que é. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. 2ª edição. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 104.

[...] Tudo o que se chamava “verdade” é reconhecido como a mais nociva, pérfida e subterrânea forma da mentira; o sagrado pretexto de “melhorar” a humanidade como ardil para sugar a própria vida, torná-la anêmica. Moral como vampirismo...Quem descobre a moral descobriu com isso o não-valor dos valores todos nos quais se acredita ou se acreditou; nada mais vê de venerável nos tipos mais venerados e inclusive proclamados santos, neles vê a mais fatal espécie de aborto, fatais porque fascinavam...A noção de “Deus” inventada como noção-antítese à vida – tudo nocivo, venenoso, caluniador, toda a inimizade de morte à vida, tudo enfeixado em uma horrorosa unidade! Inventada a noção de “além”, “mundo verdadeiro”, para desvalorizar o único mundo que existe – para não deixar à nossa realidade terrena nenhum fim, nenhuma razão, nenhuma tarefa! A noção de “alma”, “espírito”, por fim, “alma imortal”, inventada para desprezar o corpo, torná-lo doente – “santo” -, para tratar com terrível frivolidade todas as coisas que na vida merecem seriedade, as questões de alimentação, habitação, dieta espiritual, assistência a doentes, limpeza, clima! Em lugar da saúde a “salvação da alma” – isto é, uma folie circulaire [loucura circular] entre convulsões de penitência e histeria de redenção! A noção de “pecado” inventada juntamente com o seu instrumento de tortura, a noção de “livre-arbítrio”, para confundir os instintos, para fazer da desconfiança frente aos instintos uma segunda natureza! Na noção de “desinteressado”, de “negador de si mesmo”, a verdadeira marca de décadence, a sedução do nocivo, a incapacidade de encontrar o próprio proveito, a autodestruição, convertidos no signo de valor absolutamente, no “dever”, na “santidade”, no “divino” no homem! Por fim – é o mais terrível – na noção do homem bom a defesa de tudo o que é fraco, doente, malogrado, que sofre de si mesmo, tudo o que deve perecer -, contrariada a lei da seleção, tornada um ideal a oposição ao homem orgulhoso, que vingou, que diz Sim, que está seguro, que dá garantia do futuro – este chama-se agora o mau...E nisso tudo acreditou-se como moral!

NIETZSCHE, Friedrich.   ECCE HOMO. Como Alguém se Torna o que é. Tradução, Notas e Posfácio de Paulo César de Souza. 2ª edição. São Paulo: Companhia Das Letras, 2004, página 116, 117.



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